” Os filtros que sustentavam a falsa meritocracia expressa pelos monopólios sociais por meio da educação, das redes de indicações e dos círculos de relacionamento vêm sendo questionados pelo avanço das políticas de inclusão em vários níveis, revelando incapacidade de segmentos de maior renda viver a competitividade.

A desigualdade constitui a base sobre a qual a sociedade brasileira foi erigida. Originalmente, a colonização concebida por exploração e a escravidão como sustento à riqueza econômica e parâmetro das relações sociais semearam a cultura generalizada da desigualdade por condição de unidade nacional.

Com o capitalismo e seu desenvolvimento de natureza selvagem desde o final do século XIX, capaz de afastar qualquer possibilidade de realização efetiva das reformas civilizatórias (agrária, tributária e social), a desigualdade proliferou ainda mais, aliada à progressão da riqueza. Assim, a passagem da antiga sociedade agrária para a urbana e industrial foi marcada pela ausência dos padrões mínimos da competição individual e pela combinação singular do novo com o velho.

De um lado, a prevalência de arcaica estrutura rural com a modernidade industrial tornou avanços na proteção social e trabalhista, como a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), de 1943, circunscritos à parcela minoritária dos trabalhadores urbanos. A força do conservadorismo se manteve intacta, permitindo que contradições, como a existência da maior bancada no Poder Legislativo federal constituída por ruralistas, pudessem existir num país que registra 86% de sua população vivendo nas cidades.

De outro, o acesso à competição meritocrática apenas entre indivíduos pertencentes aos segmentos privilegiados da sociedade resiste por meio do vigor do patrimonialismo estatal que segue criando e sustentando monopólios sociais que garantem historicamente a ascensão socioeconômica diferenciada. O funil da educação evidencia como segmentos de menor poder aquisitivo terminam sendo apartados do vigor da mobilidade social, econômica e política gerada no país.

A postergação da universalização do acesso ao ensino básico, pelo menos na faixa até 14 anos de idade, por cem anos entre a instauração da República (1889) e a Constituição Federal de 1988 indica como a educação produz e reproduz desigualdade. Ou ainda, a manutenção do ingresso ao ensino superior abaixo de 15% de todos os jovens de 18 a 24 anos segue comprometendo o ideário da justiça na distribuição menos desigual das oportunidades. Isso sem mencionar o exorbitante diferencial de qualidade que contamina profundamente o sistema de ensino nacional.

Em síntese, o Brasil que construiu trajetória de expansão econômica significativa através do tempo, permitindo se situar entre as economias mais ricas do mundo, foi o mesmo que trouxe consigo a referência da iniquidade, o que o fez unir-se aos países mais desiguais do planeta.1

Diante disso, a inédita experiência registrada a partir dos anos 2000, capaz de combinar o regime democrático com crescimento econômico e redução das desigualdades, terminou gerando não apenas satisfação, mas também desconfortos simultâneos no conjunto da sociedade brasileira. Após meio milênio de construção social fundamentada na desigualdade, seria ingênuo acreditar que os sinais iniciais de redução das iniquidades viessem acompanhados apenas por apoio e satisfações.

A oposição crescente revela desconfortos com a experiência recente de redução da desigualdade e, sobretudo, com a possibilidade de esse processo se manter ativo nos próximos tempos. Um novo impasse no interior da sociedade brasileira parece se constituir entre a satisfação daqueles que ascenderam mais rápido e não desejam interromper essa mesma trajetória e os demais segmentos sociais desconfortados pela crescente diminuição da desigualdade”.

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